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quarta-feira, 13 de abril de 2011

A Mercantilização do Medo



por Izaías Almada* - via Carta O Berro e Blog da Boitempo

Desde os primórdios da humanidade, daquilo que nos é dado a conhecer, pelo menos, o sentimento do medo é inerente a ação e ao comportamento humano. O confronto com a natureza, a proteção mística contra o desconhecido, a luta pela sobrevivência, o inevitável desejo de posse, a tentativa de suplantar a dor física e o sofrimento, para ficarmos com alguns exemplos, são atitudes que caracterizam o relacionamento entre o homem e a sensação de medo.

Muito já terão os pensadores e cientistas sociais discorrido sobre o tema, em particular historiadores, sociólogos e psicólogos. O atual estágio de desenvolvimento humano, contudo, que para o bem e para o mal se confunde com o atual estágio do capitalismo, agregou a essa relação um componente perverso: transformou o medo numa mercadoria.

Que o digam a indústria farmacêutica, a indústria armamentista, os bancos e o capital financeiro especulativo, as grandes seguradoras, os grandes conglomerados midiáticos ao redor do mundo.

Apoiado numa monumental e cínica campanha de marketing, a mercantilização do medo está presente nas páginas dos jornais diários, dos grandes telejornais, nas histórias em quadrinhos, nos filmes de catástrofe e terror, nas novelas de televisão, nos programas de rádio, quando uma sucessão de tragédias, sejam elas individuais ou coletivas, ganharam e ganham destaque em nível nacional ou internacional.

A história da guerra no Iraque é paradigmática. A invasão desse país pelos EUA, sob premissas falsas de procurar armas de destruição em massa, e o criminoso silêncio do mundo, terceirizou o uso de força, com a contratação de tropas e serviços mercenários. Milhões e milhões de dólares foram gastos com roupas, alimentos, remédios, combustível, armas e munições, colocando nos dois pratos da balança os polpudos cheques públicos nas mãos da empresa privada de um lado e o medo, simplesmente o medo, de outro. Os genocidas do governo Bush, entre eles o vice presidente Dick Cheney e a empresa Halliburton sabem exatamente o que significa essa mercantilização do medo.

O medo ao terrorismo, o medo aos muçulmanos selvagens, o medo aos inimigos internos, o medo a culturas diferentes e à diversidade. O medo, enfim, a tudo que não seja branco e de olhos azuis. E que não fale o inglês do Texas ou da Câmara dos Lordes. Ou ainda, de forma mais prosaica, o medo ao desemprego, o medo ao assalto, o medo à infidelidade, o medo ao bullying, o medo à periferia, o medo aos juros bancários, o medo às enchentes, o medo aos terremotos, o medo, o medo, o medo…

Quanto vale o nosso medo do dia a dia nas bolsas de Nova York, Xangai ou mesmo na Bovespa?

* Izaías Almada, mineiro de Belo Horizonte, escritor, dramaturgo e roteirista, é autor de Teatro de Arena (Coleção Pauliceia da Boitempo) e dos romances A metade arrancada de mim, O medo por trás das janelas e Florão da América. Publicou ainda dois livros de contos, Memórias emotivas e O vidente da Rua 46. Como ator, trabalhou no Teatro de Arena entre 1965 e 1968. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.

Um comentário:

João Sauer disse...

"Os que trabalham têm medo de perder o trabalho; os que nãotrabalham têm medo de nunca encontrar trabalho; quando não têmmedo da fome têm medo da comida; os civis têm medo dos militares;os militares têm medo da falta de armas e as armas têm medo dafalta de guerras e, se calhar, acrescento agora eu, há quem tenhamedo que o medo acabe." Mia Couto na conferência internacional de segurança em Estoril