O Detran e a CET-Rio assinaram acordo para uso de imagens das câmeras no combate à inadimplência no pagamento de IPVA. Parece uma boa, apesar de eu ser contra qualquer tipo de panoptismo. Porém, infelizmente, já me vejo como voto vencido. Já se pode provar que vigiar e punir não é a melhor saída. Michel Foucault parece um tanto ultrapassado, e não creio que seus métodos não sejam proveitosos à sociedade da informação.
As tecnologias estão bastante desenvolvidas e permitem a criação de um mecanismo pan-óptico deveras poderoso, e perigoso. A política repressiva vêm se apoiando nestes mecanismos, devido a sua eficácia quase que instantânea, neste caso, em tempo real. O scanner que desnuda passageiros cria polêmica em Manchester, na Inglaterra, e em todo planeta.
A vigilância por câmeras não é diferente. Temos nossas vidas rastreadas por estes equipamentos, neste primeiro momento apenas verificando as placas do carro. Mas quem garante que amanhã não estarão vigiando o interior dos veículos e seus ocupantes?
Concomitantemente, está sendo introduzida a carteira de identidade única, com chip. Quem está por dentro das coisas sabe o que está acontecendo na China, onde qualquer autoridade pode acessar, a qualquer momento, informações vitais do cidadão, tudo em nome da lei e da ordem. Outra questão se apresenta aqui. Será que esta coleta de dados, e o acesso a eles em tempo real, não pode ser usado para reprimir as divergências e invadir a privacidade?
No caso do scanner de Manchester, as autoridades alegam que as gravações são destruídas momentos após serem visualizadas por um monitor, que fica em local "remoto" do aeroporto e "só". Ora, estes ingleses que me poupem! Não duvido que as imagens sejam apagadas como prometem, entretanto é óbvio que existe a opção de salvá-las, mesmo porque podem servir para produção de provas.
Tudo bem, lá a pessoa é devassada, vista em sua intimidade, aqui falamos, por enquanto, apenas na vigilância por câmeras, a priori, das placas de veículos que transitam em via pública. Porém, não podemos esquecer que, depois de uma tecnologia ser implantada, naturalmente ela evolui, tomando corpo, aumentando sua capacidade constantemente.
Está na hora desta paranóia securitária coletiva ser tratada. O mecanismo pan-óptico está fadado ao insucesso, pois não supre de forma abrangente toda carência social que envolve a segurança pública e o controle do cidadão pelo Estado. Os reality shows da atualidade nos fazem parecer normal a vigilância, fica o ditame de que é legal estar lá, na mira das câmeras. Só que no mundo real, fora dos estúdios de TV, a história é outra.
A fiscalização eletrônica a devedores do IPVA começará na próxima semana aqui no Rio de Janeiro. Já foi anunciado e pronto, as blitzes eletrônicas vêm aí. O negócio é andar com o IPVA em dia, multas pagas e carro em ordem, afinal o monitor da CET pode avisar: "Ó, lá vai o cara com pneu careca", ou "fulana, que está conduzindo veículo tal, está falando no celular...". Que nada, paranóia da minha cabeça. Devo estar sendo influenciado por tolas teorias conspiratórias. Sabemos que as autoridades envolvidas são confiáveis, preparadas para tamanho salto tecnológico...
Nada disso, um pouco de filosofia e ética, apenas isso, sem pretensão alguma. Hoje as câmeras vigiam até os campos, afinal quem não viu os sem terra passando de trator em cima dos laranjais paulistas? Em nossos condomínios também: já podemos ver da TV de casa quem passa pela portaria. Tendo meu voto sido vencido, mesmo sem sequer ter tido a oportunidade de entrar na urna, fica apenas uma observação.
O preço destas tecnologias é elevado, sua manutenção requer acompanhamento técnico constante, bem como atualizações regulares, certamente terceirizadas. Talvez fosse melhor investir este dinheiro no treinamento e incremento das forças policiais. Contratação de mais agentes de trânsito, criação de novos postos de trabalho. Os guardas poderiam usar telefone celular pra consultar placas e flagrar devedores do IPVA, sem que para isso fosse preciso instalar mais câmeras, coisa que certamente será feita em breve.
Concluindo, a meu míope ver, as tecnologias da informação devem ser usadas em prol da educação, no combate à violência, e não como armas da repressão. Um povo educado é auto-sustentável e, assim sendo, consegue pagar seus impostos em dia. Geralmente quem está com imposto atrasado é quem sente muito o peso da carga tributária, ou o trabalhador desempregado. Há também quem não paga porque simplesmente não vê seu dinheiro ser aplicado de volta em benefícios reais, básicos, como educação, saúde e infraestrutura. A curto prazo, a medida parece eficaz, mas a falta de compreensão ampla da realidade pode futuramente transformar a vigilância eletrônica num vício social, tão grave quanto a repressão.
Fonte: Jornal O Globo online. Matéria publicada na sessão Opinião, em 15/10/2009 as 12h22.
http://oglobo.globo.com/opiniao/mat/2009/10/15/blitz-eletronica-sociedade-da-vigilancia-768064667.asp
Artigo do leitor Ronald Sanson Stresser Junior
As tecnologias estão bastante desenvolvidas e permitem a criação de um mecanismo pan-óptico deveras poderoso, e perigoso. A política repressiva vêm se apoiando nestes mecanismos, devido a sua eficácia quase que instantânea, neste caso, em tempo real. O scanner que desnuda passageiros cria polêmica em Manchester, na Inglaterra, e em todo planeta.
A vigilância por câmeras não é diferente. Temos nossas vidas rastreadas por estes equipamentos, neste primeiro momento apenas verificando as placas do carro. Mas quem garante que amanhã não estarão vigiando o interior dos veículos e seus ocupantes?
Concomitantemente, está sendo introduzida a carteira de identidade única, com chip. Quem está por dentro das coisas sabe o que está acontecendo na China, onde qualquer autoridade pode acessar, a qualquer momento, informações vitais do cidadão, tudo em nome da lei e da ordem. Outra questão se apresenta aqui. Será que esta coleta de dados, e o acesso a eles em tempo real, não pode ser usado para reprimir as divergências e invadir a privacidade?
No caso do scanner de Manchester, as autoridades alegam que as gravações são destruídas momentos após serem visualizadas por um monitor, que fica em local "remoto" do aeroporto e "só". Ora, estes ingleses que me poupem! Não duvido que as imagens sejam apagadas como prometem, entretanto é óbvio que existe a opção de salvá-las, mesmo porque podem servir para produção de provas.
Tudo bem, lá a pessoa é devassada, vista em sua intimidade, aqui falamos, por enquanto, apenas na vigilância por câmeras, a priori, das placas de veículos que transitam em via pública. Porém, não podemos esquecer que, depois de uma tecnologia ser implantada, naturalmente ela evolui, tomando corpo, aumentando sua capacidade constantemente.
Está na hora desta paranóia securitária coletiva ser tratada. O mecanismo pan-óptico está fadado ao insucesso, pois não supre de forma abrangente toda carência social que envolve a segurança pública e o controle do cidadão pelo Estado. Os reality shows da atualidade nos fazem parecer normal a vigilância, fica o ditame de que é legal estar lá, na mira das câmeras. Só que no mundo real, fora dos estúdios de TV, a história é outra.
A fiscalização eletrônica a devedores do IPVA começará na próxima semana aqui no Rio de Janeiro. Já foi anunciado e pronto, as blitzes eletrônicas vêm aí. O negócio é andar com o IPVA em dia, multas pagas e carro em ordem, afinal o monitor da CET pode avisar: "Ó, lá vai o cara com pneu careca", ou "fulana, que está conduzindo veículo tal, está falando no celular...". Que nada, paranóia da minha cabeça. Devo estar sendo influenciado por tolas teorias conspiratórias. Sabemos que as autoridades envolvidas são confiáveis, preparadas para tamanho salto tecnológico...
Nada disso, um pouco de filosofia e ética, apenas isso, sem pretensão alguma. Hoje as câmeras vigiam até os campos, afinal quem não viu os sem terra passando de trator em cima dos laranjais paulistas? Em nossos condomínios também: já podemos ver da TV de casa quem passa pela portaria. Tendo meu voto sido vencido, mesmo sem sequer ter tido a oportunidade de entrar na urna, fica apenas uma observação.
O preço destas tecnologias é elevado, sua manutenção requer acompanhamento técnico constante, bem como atualizações regulares, certamente terceirizadas. Talvez fosse melhor investir este dinheiro no treinamento e incremento das forças policiais. Contratação de mais agentes de trânsito, criação de novos postos de trabalho. Os guardas poderiam usar telefone celular pra consultar placas e flagrar devedores do IPVA, sem que para isso fosse preciso instalar mais câmeras, coisa que certamente será feita em breve.
Concluindo, a meu míope ver, as tecnologias da informação devem ser usadas em prol da educação, no combate à violência, e não como armas da repressão. Um povo educado é auto-sustentável e, assim sendo, consegue pagar seus impostos em dia. Geralmente quem está com imposto atrasado é quem sente muito o peso da carga tributária, ou o trabalhador desempregado. Há também quem não paga porque simplesmente não vê seu dinheiro ser aplicado de volta em benefícios reais, básicos, como educação, saúde e infraestrutura. A curto prazo, a medida parece eficaz, mas a falta de compreensão ampla da realidade pode futuramente transformar a vigilância eletrônica num vício social, tão grave quanto a repressão.
Fonte: Jornal O Globo online. Matéria publicada na sessão Opinião, em 15/10/2009 as 12h22.
http://oglobo.globo.com/opiniao/mat/2009/10/15/blitz-eletronica-sociedade-da-vigilancia-768064667.asp
Artigo do leitor Ronald Sanson Stresser Junior
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