Olhares sobre o OcupaSampa
fonte: anônimo ~ imagens livres cc: Acampa Sampa (internet)
Na tarde do dia 1º de novembro, 2ª feira, visitamos a fração paulistana do movimento do qual também somos parte. Estava frio pra caralho, e, logo que avistamos as barracas do OcupaSampa, uma energia truncada e esquisita ficou evidente. Um ar pesado, rostos cansados, tristes, abatidos. Salvo por um quadro negro escolar pintado (?!) com ordens do senso comum sobre reciclagem e um quadro branco com a programação semanal/diária, não havia nenhuma sinalização – muito menos cartazes. Caminhamos por dezenas de minutos no pouco espaço entre as barracas sem que qualquer ocupante nos olhasse no rosto. Naquele momento, não havia roda de conversa, roda de musica, roda de criação – não houve um sorriso, um interesse, um abraço ou um esbarrão.
Avistando uma menina linda de sobrancelha grossa e cabelo queimado de sol, deitada sozinha ao lado da “horta”, buscando sol e lendo teosofia, nós nos aproximamos e puxamos um papo. A horta era composta por algumas poucas garrafas PET e, segundo eles, não poderia nem seria modificada, “pois não há autorização para mexer mais no canteiro”. Fomos perguntando para a ninfa do bosque de concreto sobre o histórico, o clima e a situação do OcupaSampa. Eles tiveram faixas do movimento queimadas por algum grupo que não foi identificado(Policiais ou Skinheads) havia poucos dias e, naquele momento, eles estavam se odiando e cansados, com pouco amor próprio, pouquíssimo amor coletivo e muitas farpas.
Eles estão embaixo de um viaduto, entre uma praça e outro viaduto. Em volta deles: Teatro Municipal, prefeitura, câmara dos vereadores ou coisa que valha. Eles ocupam metade do espaço limitado pelo retângulo com teto do viaduto, pois nos dias anteriores dividiram espaço com os ensaios e com a formatura de PMs do estado de SP. Com medo do frio e da chuva (i dont blame! Trememos no vento!), eles ficam presos nas paredes invisíveis que separam o viaduto da vida na cidade.
Agora, eles não podem sair dali, pois (como, nos contaram comemorando) conseguiram uma LIMINAR para protestar embaixo da ponte. E agora eles são gente legal e legalizada - embaixo da ponte.
Aquele local faz muitos deles paranoicos do pior tipo. Se você questiona o local que ocupam, te atacam dizendo que “Estamos cercados pela policia e pelos poderes executivo e legislativo e somos vigiados 24h por dia por câmeras que fazem leitura labial. Convivemos diretamente com moradores de rua que se drogam com tinner e crack, estamos sendo atacados, já fomos assaltados também.”
Nossa amiga Hiponga Ju ( rezo para que ela tenha um futuro incrível e comece por largar aquele namorado troglodita com HATE tatuado nos dedos das mãos – fofa!) tentou juntar um povo, e alguns acharam importante fazer uma assembleia especial pra trocar experiências e noções e tudo mais (acho que lá seria só isso). Presenciamos a primeira (de algumas) explosão por desejo presidencial e perversão sofismática típica das academias. Um menino branco, de barba aparada, olhos claros e bem nutrido cortava cenouras e gritava que não nos ouviria, pois estávamos havia apenas menos de 4 horas na ocupação. Demonstrou nenhuma vontade de escutar o outro.
Ele estava estafado, reclamava muito sobre cozinhar o tempo inteiro e não ter tempo de conversar ou participar de outras atividades. Reclamava que cozinhava pra sustentar “marmanjo”. Um de nós balançou e pensou, sinceramente, em desistir daquela história. Olhou em volta e alguns olhos pediam uma resposta à agressão. Perguntou o nome do que surtava. “André” ele respondeu. André se acalmou e pediu para fazemos a Assembléia.
Depois de 40 minutos de desmobilização e desorganização, conseguiram juntar 50 das 60 pessoas que ali estavam. Tudo começou com o megafone quebrado e um homem reclamando da ausência daqueles que preferiram não estar na assembléia. Um de nós falou sobre o que acreditava estar equivocado lá e da má impressão que tudo causava. O outro, falou sobre nossa experiência carioca. Muitos pareciam não se conter de tanta felicidade em ouvir que a mudança real podia existir, que havia chance do movimento ser amoroso, horizontal, inteligente e interessante.
Uma mulher, moradora de rua, doente mental, batia, de leve, com uma buzina na cabeça de quem tinha a ordem de voz, falava fora da hora e batia com força a buzina nos muros pra fazer barulho. Ela fez isso ALGUMAS vezes, inclusive bateu na cabeça de um de nós. Até que um moleque levou uma buzinada e arrancou o megafone da mão de uma menina. Pelo modo como todos se entreolharam, compreendemos que aquele era um personagem importante ali. O moleque gritava clamando por justiça.
Ele questionava pq ninguém o defendeu das agressões daquela criminosa. Fez questão de dizer como o trabalho dele tinha sido importante para aquilo estar de pé e que ele se colocava para proteger qualquer um dos que estavam ali, mas que quando ele era agredido ninguém o protegia. Com seu casaco de marca, chamou isso de consciência pesada de classe média. Infelizmente, confundiu a condição mental da dona Cida (que tinha um filho internado no hospital publico e outro morto) com suas condições financeiras. Muitos minutos e gritos gastos a toa. Desmobilização, desgaste.
Ele seguiu o discurso dizendo que ninguém dava valor ao que ele tinha feito e que, por tudo que ele dava pra ocupação, ele não tinha tempo de escrever suas ideias no fanzine dele, disse que ele tentava evitar a série de roubos às barracas à noite e que ninguém reconheci. Um seguidor daquelas idéias disse também que sair debaixo do viaduto seria assinar atestado de DERROTADOS/LOOSERS. Máquina egóica trabalhando a todo vapor!
Nos olhávamos muito, tentando comungar. Pq tão diferente? Porque tão impossível? Como sugerir uma mudança, uma nova possibilidade com a impossibilidade latente? Não foram fáceis pro estômago e pro coração muitos daqueles minutos.
Um de nós começou a surtar e dizer que aquele moleque Pedro e mais dois eram um câncer naquele grupo e que eles eram omissos de permitir aquele comportamento vertical – enquanto ele dizia que já tinha fumado muita cocaína e cheirado muita maconha e que, por isso, sabia como as drogas são sombrias – para justificar a imposição feita por ele da proibição à bebida e às drogas na ocupação. O outro deu um chega-pra-lá e levou nosso carioca surtado pra um canto. O ex-surtado, acalmado, se acalmou e, alguns minutos depois, já estava apaixonado por um bonitinho que trabalha em um estacionamento por ali perto que dizia “dessa vez, tem de dar certo. Temos de conseguir mudar o mundo dessa vez!”. #FOFO.
Nesse meio tempo, muita gente pegou o microfone para agradecer nosso testemunho e muita gente pegou o microfone para falar de sua importância pessoal naquele movimento.
Em geral, eles não se acertavam, não se respeitavam, queriam ser os presidentes do mundo, egos brilhavam lustrados de óleo de cocô e alguns afirmaram desejo ou planos de se mudar pra nossa ocupação carioca antes da próxima 5ª feira. Ficaram encantados com nossos relatos de “Rua do Amor”, “GT de Cura”, Geodésica de bambu, punk em colo de hippie, acadêmicos, occupy-pré-night etc.
Oh Lord. Não existe amor em Ésse Pê? O que acontece em São Paulo? Será a falta de experiência em estar com vida nas ruas e praças? Será que ainda não se perceberam apenas reproduzindo nas praças os posicionamentos pessoais e coletivos que acontecem nos prédios da megalópole? Sem bairrismo ou qualquer comparação do tipo, até por que um de nós é paulistano, até quando São Paulo vai se fechar e se esconder em limites rígidos, perversos e egóicos? Por fim, se alguns poucos foram tocados por nós no que nós pudemos fazer, uma parte já foi feita. #abraçesampa #amorizeemsampa #seduzasampa #relaxesampa #desaceleresampa #ocupasampa #escutesampa #respiresampa #oxigenesampa
Nenhum comentário:
Postar um comentário