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quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Há mais de 23.000 anos Brasil abrigou “primeiros americanos”

Abrigo de rocha brasileiro, em Santa Elina, no Mato Grosso, prova que humanos habitaram as Américas há 23.000 anos atrás - por Bruce Fenton*


Foto: Augusto Pesoa (CC BY-SA 3.0)

Acredita-se usualmente que os “primeiros americanos” sejam migrantes do leste asiático que cruzaram o Estreito de Bering há 15 mil anos, membros da Cultura Clóvis (uma referência à sua tecnologia de ferramentas de pedra). Um pequeno número de pesquisadores sugeriu que um grupo anterior de migrantes, da cultura solutreana da Europa, chegou à América do Norte um par de milênios antes desses colonos de Clóvis, numa hipótese que foi muito disputada por acadêmicos.

Agora parece que os pesquisadores que favorecem tanto os modelos Clóvis como Solutreano entenderam tudo errado e agora apoiam a afirmação de que os “primeiros americanos” devem ser uma população misteriosa que viveu no Brasil há mais de 23.000 anos.

Arqueólogos associados ao Museu Nacional de História Natural de Paris confirmaram recentemente que os ornamentos ósseos descobertos em camadas de solo no abrigo rochoso de Santa Elina, no estado do Mato Grosso, datam de pelo menos 23.120 anos de idade. Os cientistas discutiram suas descobertas em um artigo intitulado “Centro de Povoação da América do Sul: O Sítio do Pleistoceno Superior de Santa Elina”, publicado no jornal de arqueologia da Universidade de Cambridge, Antiquity (8 de agosto de 2017).

O abrigo rochoso de Santa Elina, no Brasil Central, abriga extraordinárias artes rupestres e evidências de longa ocupação pelos primeiros americanos. A ocupação do local é datada de vários períodos diferentes, sugerindo que grupos de caçadores-coletores só viviam no local quando a caça era favorecida pelo clima na região. Os períodos irregulares de ocupação se espalharam pelo Pleistoceno Superior e Holoceno tardio.

Escavações realizadas no abrigo rochoso de Santa Elina entre 1984 e 2004 exploraram três camadas de sedimentos contendo restos de fogueiras, artefatos de pedra e ossos associados à extinta espécie de preguiça gigante Glossotherium. Várias das placas ósseas da pele da preguiça haviam sido transformadas em ornamentos de algum tipo pelos humanos ali residentes. Os entalhes e furos adicionados podem ter permitido que essas placas fossem usadas no corpo.

A Glossotherium, como outras preguiças terrestres gigantes, era um herbívoro. Ele tinha 13 pés de comprimento e pesava 2.210 libras. Teria sido um dos maiores herbívoros da América do Sul. Esta espécie foi extinta há cerca de 12.000 anos.



Representação artística da preguiça gigante Glossotherium robustum (Bruce Horsfall; R. Bruce Horsfall/1913)

Os cientistas utilizaram três métodos de datação separados para investigar amostras de carvão vegetal, sedimentos e ossos de preguiça. As datas reveladas colocam com segurança as pessoas no sítio de Santa Elina há mais de 23.120 anos. Grupos humanos abandonaram o local depois de um curto período, mas grupos posteriores utilizaram o abrigo novamente entre 10.120 e 2.000 anos atrás.

Por muitos anos, arqueólogos vem trabalhando em locais de ocupação humana em todo o Brasil e produziram evidências de uma colonização extremamente precoce dessa região sul-americana. As primeiras datas associadas a projetos de pesquisa arqueológica brasileira sugerem talvez 50.000 anos de ocupação. Estas datas muito iniciais para a colonização inicial do continente permanecem altamente controversas.

As novas datas de Santa Elina erodem ainda mais o entendimento consensual de que os primeiros humanos modernos alcançaram as Américas ao atravessarem a ponte terrestre entre o nordeste da Ásia e a América do Norte há 15.000 anos. O abrigo de rochas fica a milhares de quilômetros do local de entrada - dos humanos nas Américas - anteriormente proposto.

Santa Elina não apenas está localizada longe dos locais mais antigos de Clóvis, como também está a mais de 1.600 quilômetros da costa brasileira em uma região de florestas densas. Este parece ser um improvável primeiro ponto de entrada, já que é lógico suspeitar que os humanos viveram inicialmente ao longo do litoral antes de se mudarem para o interior brasileiro há 23.000 anos atrás. Isso parece oferecer mais apoio às alegações de que os humanos modernos estavam no Brasil muito antes mesmo deste período inicial.

A opinião está dividida sobre de onde esses primeiros americanos provavelmente vieram. Alguns suspeitam que eles vieram da África Ocidental em jangadas, outros sugerem que eles eram oceânicos que usavam canoas para se mover ao longo da Costa Antártica antes de chegar à Terra do Fogo, um grupo de ilhas situado embaixo da América do Sul.
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Bruce R. Fenton é pesquisador da evolução humana e das antigas migrações hominínicas, com foco especial na ascensão do primeiro "Homo sapiens". Fenton é o autor do livro de ciência pop "O êxodo esquecido: A teoria da evolução humana em África", bem como escritor convidado regular para várias revistas on-line. Seus interesses de pesquisa o levaram a todos os seis continentes habitados, a ser apresentado no UK Telegraph e a atuar como líder de expedições para o Science Chanel. Ele é um membro atual da Palaeoanthropology Society e da Scientific and Medical Network. (tradução livre)

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